quarta-feira, 1 de maio de 2013

Penélope em pé de amora



Já sai de casa querendo voltar e se arrepende de sair antes mesmo de chegar. Faz uma trança no cabelo enquanto caminha, usa os vidros das vitrines como espelho, faz hora,
não tem pressa, matar o tempo lhe envaidece.
Pensa na sua rede sob o pé de amora. Penélope Cruz é o nome dela... da rede, armada no pátio da vivenda a espera dela. Sabe que Penélope estará lá quando voltar, por isso não se adianta e curte a caminhada. Até que...
 Um homem asqueroso passa encarando-a na rua, ela distraída trançando o cabelo nem dá importância para o fato de que ele dobrou numa esquina um pouco a frente e espreita sua passagem pelo cruzamento. Ele, o motoqueiro, da à volta e acompanha lentamente... ela percebe finalmente e se vê encurralada, lembra “do jeito de diabo gosta”, a expressão que ouviu outra vez de um tipo como aquele, com o cotovelo para fora da janela do carro velho, algum domingo comum desses. Ficou com medo, afinal nos postes pelo caminho cartazes (de) anunciam mais de 300 casos de estupros em menos de um ano naquela cidade que (agora) habitara. Tem medo sim, mas põe uma cara brava enquanto olha em volta a possibilidade de socorro, já pensa no pior, a rua parece deserta, então apressa o passo e prepara-se pra correr. Avista duas pessoas vindo mais a frente, enquanto o motoqueiro ainda a acompanha, tudo parece durar uma eternidade. O motoqueiro percebe as pessoas se aproximando e acelera a moto, ainda observando pelo retrovisor. Ela num instante impulsivo e libertador, estira o dedo do meio para o homem que a violentou com o olhar. As duas pessoas que cruzaram com ela estirando o dedo não entendem nada. Tudo bem, já era. Passou...
Ela continua o caminho... arruma sua trança, confere o reflexo numa vitrine e percebe que falta um toque. Mais a frente encontra uma roseira branca e de lá colhe um botão, prende ao cabelo e continua. Sua vaidade se mede na sombra do chão e no vidro/para-brisa dos carros estacionados.
Volta a pensar na Penélope, no pé de amora e nos passarinhos azuis catando frutinhas no pé. Como tinha inveja daqueles. Pelas amoras também, mas principalmente porque eles estavam livres dos olhares de homens nojentos como aquele que ela enfrentou.
Será que são azulados de tanto comer amora? Ela pensa. Tenta ficar horrorizada com a violência que sofreu, com a apatia da cidade e de dos moradores, mas não consegue... só pensava nas amoras no chão, que deixou de colher, e na Penélope solta ao vento da tarde, sob a sombra da arvore. Era sensível as coisas pequenas.
Mas porque sair de casa se tudo que queria era passar o tempo lendo seu livro deitada naquela rede? Ah, festinha de criança, era isso que a tirava de casa, comida boa, docinho, bolo confeitado. A barriga faz barulho e confirma! Ela sabe que na volta, empanturrada, a sua rede ainda a espera. 
Ah! Não esquecer de fazer um “pratinho” com salgadinhos e docinhos da festa pro amigo que ficou em casa estudando. 

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