quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Okupando espaços e tempos (sobre silêncio, vazio e o nada)



Venho aqui diante da minha inquietação posta pela distância e a impossibilidade de ver com meus próprios olhos, pensar um pouco junto com vocês que acompanharam a Okupagaden do Departamento de Artes da UFRN. Hoje partindo em retirada, por temerem represália, ou sabe-se lá mais os porquês. Mas também convidar a todos a pensar arte, política e vida flutuando em dimensões que se atravessam. A dimensão afetiva e num campo de flutuação sensível comum ao homem. 














Acompanhei "tudo" pelo Facebook, então é provável que tenha poucos elementos para dialogar. Deixarei claro que não é meu objetivo aqui defender ponto de vista, meu ou de qualquer um envolvido intimamente ou não com esse ato de ocupação do Deart. Li comentários de amigos, artistas com quem trabalhei e tenho amizade, me entristeci com os depoimentos de alguns diante das ações propostas pelo grupo que ocupou não só as dependências do famoso, renegado e polêmico Deart. Mas tomou conta, ainda, da consciência, da vida e do pensamento de muitos sobre arte, espaços da arte e de proliferação de ideias, intervenções, performance, beleza, respeito e tantas outras potências que atravessam aquelas paredes, agora "sujas" de "pixo".  Acompanhei também o blog do Okupagarden e suas defesas poéticas e políticas. A expressão dos anônimos diante da impossibilidade de dizer o que significa essa "ocupação" e todo o universo que construíram frente a realidade hierárquica, administrativa e institucional da academia... Que não se limitam pelas fronteiras, espaços, tempos, culturas, palavras, imagens, corpos... Mas são todas elas, numa fabulação que possibilite dizer de algo que não pode ser dito, ou não deve ser dito, nem feito, nem vivido. Anseia por vir.

Então, me inquietei, pensei muito sobre tudo o que li e vi, pensei sobre o que pensei... Ontem, lendo a carta do professor Camilo Osório sobre esse "assunto", que vai muito além de um problema institucional, e das fronteiras da UFRN, ou do Rio Grande do Norte. Assim como as artes não se restringem aos museus, as paredes e muros... Percebendo a posição confusa de imparcialidade que me impus, não me sentindo no direito de falar sobre algo que não presenciei fisicamente, por não estar em Natal, e em contato direto com os envolvidos e as manifestações que ocorreram. Era tão omissa, ingênua, envergonhada, desorientada e impotente quanto a dos que podiam estar lá e não estiveram, ou os que estiveram e nada fizeram, dos que simplesmente pasmaram, se revoltaram ou ignoraram. Como a atitude confusa de quem vai a uma galeria, museu ou um espetáculo e em vez de contemplar as expressões artísticas, vira de costas e tira um autorretrato com elas de plano de fundo pra postar no instagram.
Talvez, pensar essa distância, sem os aspectos afetivos que me ligam ao lugar, (Deart) provocaram novas formas de dizer um pouco (junto) com essa manipulação e distorção de informações que circula frágil nas redes sociais e a força que elas tem de erguer e de por a baixo qualquer tentativa de ser e estar presente no mundo. Assim mesmo, nunca se viu um espaço tão "democráticos" de circulação de ideias. Eu costumo comentar entre os amigos que a internet democratizou a ignorância, e uma amiga completa: "nem aumentou, nem diminuiu". E isso não tem nada a ver com ser ruim, nem ser bom, ser melhor ou pior. Parece que tem mais a ver com uma espécie de fabulação, ou invenção com essa realidade; com uma infinidade de outras que compartilhamos, tomamos parte, mas desconhecemos, por ser impossível dar conta desse rizoma.
Por isso o movimento que reproduzo aqui hoje, incitada pelo Okupagarden, compartilhado pelo Facebook, é de pensar a dimensão estética e política que essa manifestação artística suscita. E acredito que pensar ainda não é conhecer. Concordo com Borges que "pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair". Continuo ignorante diante das palavras mudas e das imagens pensativas que se apresentam.
Por isso não tem a ver com ser ou não ser arte. Com respeito ou a falta dele. Com fezes, tijolo pendurado no pau, destruição de "obras"... Tem a ver com afeto. O que esse afetamento provoca? Pensar a respeito, ver ambos os lados, ou melhor não ver lado algum. Quem cria os muros? Ficar em cima dele, escolher um lado ou outro... vilão, vândalo, artistas, esteta, "reaça". A discussão não precisa ser essa, precisa? 
Os artistas de "rua" tem consciência da efemeridade de suas obras, senão, as colocariam em lugares fechados e não em paredes, que podem receber uma "mão de cal" por cima a qualquer momento. Eles vão justamente contra essa lógica do mercado da arte. Vide Banksy, Greco, os gêmeos e vários exemplos do filme Cidade Cinza (2013), que trata da política da prefeitura de São Paulo de passar uma tinta cinza por cima dos grafites da cidade. Tem a ver com memória e afeto, quando inquieta a sensibilidade do espectador, de quem fez daquelas artes parte de sua história, do seu cotidiano, de sua vida
Haveria de se gerar transformações através da possibilidade de expressão, que não abarca todos, não é unanime, nem muito menos útil. Mas que é potente quando diz e pensa de (im)possibilidades de vida.
Não se pode mais falar em arte, política, cultura... Essas palavras viraram "tabu" nas rodas de conversa. Quem as exclama é "taxado" de artista, erudito, pseudocult, intelectual. Tudo é subjetivo, é opinião, é blá, blá, blá ou é a certeza absoluta. Cultua-se o obsceno, o medo de experimentar, de falar, de expor, de contar um história, trocar experiências, de conviver, de fazer, de ver e de ouvir. 
Tenho muito carinho pelo Deart e por todos que conheço e que amam aquele lugar. Não defendo lados aqui. Mas convido a quem quiser, conversar, refletir, pensar, expressar não um ponto de vista, mas a derrubada de todos eles, desses muros imaginários que limitam, quando é o esfrega-esfrega (e as distâncias) dos corpos que produzem inquietação, calor, energia, vazios e vida. Vamos sair dos papéis, vamos reescrever a cena, improvisar os diálogos. Vamos arriscar e fracassar. Os dois ao mesmo tempo, fazer parte, tomar parte produzindo tensão e vazios, pra que hajam mudanças. Como diz Arnaldo Antunes "a batalha é o começo da trégua" e "bactéria num meio é cultura".

Lembro muito quando era criança ouvir os adultos dizendo, essa menina é muito "arteira", e até hoje quando penso em arte, tendo para esse sentido de uma criança que arrisca algo novo e desconhecido, que se machuca, que suja, que é inconsequente, imprevisível, improvável. É perturbador o quanto a imagem da arte na contemporaneidade suscita a dúvida e articula um processo emancipatório de nós espectadores e artistas. Então, que o odor da merda, as manchas das paredes, as ofensas, e mesmo o som angustiante do tijolo arrastando no chão, não reproduzam traumas, mas criem memórias e reverberem. Vamos ser crianças, dançar e "fazer arte"! 

Arnaldo Antunes
Cultura 
O girino é o peixinho do sapo
O silêncio é o começo do papo
O bigode é a antena do gato
O cavalo é pasto do carrapato
O cabrito é o cordeiro da cabra
O pecoço é a barriga da cobra
O leitão é um porquinho mais novo
A galinha é um pouquinho do ovo
O desejo é o começo do corpo
Engordar é a tarefa do porco
A cegonha é a girafa do ganso
O cachorro é um lobo mais manso
O escuro é a metade da zebra
As raízes são as veias da seiva
O camelo é um cavalo sem sede
Tartaruga por dentro é parede
O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura
Jorge Luis Borges, Funes o memorioso:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/funes.htm

Trailer de Cidade Cinza:
http://vimeo.com/70506598

Blog do Okupagarden:

Obras de Banksy, Alberto Grego e Michel Basquiat.
http://www.banksyny.com/
http://www.albertogreco.com
http://basquiat.com/

Fotografia, os astistas Lucas Fortunato e Mario Rasec, como plano de fundo o painel do Deart de Fernando Paiva e parcerias (2012).

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